NOSSA HISTÓRIA
Por Rodrigo Queiroz
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Um som envolvente ecoava pelos terreiros deste Brasil,
atraindo milhares de pessoas do simples ao abastado, do doutor ao
iletrado, todos com suas aflições e dores buscavam nas casinhas do
tambor a orientação, e quem sabe a cura para seus males.
Este movimento chamou atenção de um jovem jornalista
carioca chamado João do Rio, visitando tendas, terreiros e ylês, lançava
semanalmente em sua coluna crônicas sobre este universo “não” cristão.
Em 1906, João do Rio lança seu centenário livro Religiões
do Rio, que é uma junção de seus textos e experiências. Lá encontramos
relatos de várias vertentes religiosas como o Catimbó, Macumba, Xangô,
Candomblé e outras. Contudo, nada consta sobre Umbanda.
Claro que não constaria. Talvez se ele tivesse esperado
mais dois anos lá estaria alguma citação, provavelmente da origem, Zélio
Fernandino de Moraes, o fundador da Umbanda.
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Por outro lado, penso que assim tinha que ser, porque ainda hoje, 99
anos após a fundação desta religião, temos uma comprovação histórica da
veracidade deste fato, ainda que muitos queiram falar ser a Umbanda
originária disto ou daquilo, até mesmo que seja milenar.
Vamos aos fatos históricos. Relatados ao mundo por Pai Ronaldo Linares, pois recebeste esta incumbência do próprio Zélio.
Em 1908, um jovem carioca de 17 anos, se preparava para ingressar na
Marinha. De família tradicionalmente católica, seguia sua fé como
mandava o figurino. Eis que num determinado momento este jovem começa a
ter atitudes e posturas estranhas. Por vezes se posicionava como um
velho de linguajar precário e falava sobre ervas e remédios naturais,
ora se mantinha como um jovem cheio de vigor e agilidade.
Estes fenômenos começaram a assustar sua família. Sua carinhosa mãe
começou a via sacra em busca da cura para o filho que julgava estar
louco.
Foi quando sua mãe o encaminhou para o tio médico, Dr. Epaminondas de
Moraes, psiquiatra e diretor do Hospício da Vargem Grande. Após vários
dias de observação e exames, não encontrando nada parecido na literatura
médica da época, sugeriu à mãe do garoto que o levasse até um padre
para fazer exorcismo, pois entendia que o mesmo sofria de uma possessão
demoníaca.
Mais um tio de Zélio foi chamado, era padre e acompanhado de outros
sacerdotes realizou três exorcismos, no entanto, os “ataques”
prosseguiram deixando a família desolada.
Passado um tempo, Zélio foi tomado por uma paralisia parcial, não
explicada pelos médicos, vez que não semostrava nenhuma enfermidade.
Certo dia Zélio acorda em seu leito e diz: - Amanhã estarei curado! No
dia seguinte começou a andar como se nada tivesse acontecido e detalhe,
não houve atrofiamento muscular, como é típico em alguém que fica muito
tempo deitado.
Sua mãe foi aconselhada a procurar um centro espírita, de pronto
negou-se, pois entendia que ele deveria ser curado na sua religião e não
tinha que se envolver com estas “coisas de espíritos”. Mas teve que
render-se, foi então que procurou a recém fundada Federação Kardecista
de Niterói, cidade vizinha de São Gonçalo das Neves, onde residia a famí
l ia Moraes. A Federação era então presidida pelo senhor José de Sousa,
chefe de um departamento da marinha chamado Toque Toque.
Zélio Fernandino de Moraes foi conduzido àquela Federação no dia 15
de Novembro de 1908, na presença do senhor José de Sousa, em meio aos
ataques reconhecidos como mani festações mediúnicas. Convidado,
sentou-se à mesa e logo em seguida levantou-se, afirmando que ali
faltava uma flor. Foi até o jardim apanhou uma rosa branca e colocou-a
no centro da mesa onde se realizava o trabalho. Tal iniciativa
contrariou todas as normas da instituição o que causou certo tumulto e
discussão. Após os ânimos se acalmarem, Zélio foi “tomado” por uma
entidade.
José de Sousa, que possuía também a clarividência, verificou a
presença de um espírito manifestado através de Zélio e passou ao dialogo
a seguir: (este texto abaixo foi extraído das Apostilas do Curso de
Formação Sacerdotal da FEDERAÇÃO UMBANDISTA DO GRANDE “ABC” e confirmado
de forma presencial pelas turmas do 1º ao 4º Barco, ministrado por Pai
Ronaldo Linares, na ocasião estes tiveram contato pessoal com Zélio).
“Senhor José: Quem é você que ocupa o corpo deste jovem?
O espírito: Eu? Eu sou apenas um caboclo brasileiro.
Senhor José: Você se identifica como caboclo, mas vejo em você restos de vestes clericais!
O espírito: O que você vê em mim, são restos de uma existência
anterior. Fui padre, meu nome era Gabriel Malagrida, acusado de bruxaria
fui sacrificado na fogueira da inquisição por haver previsto o
terremoto que destruiu Lisboa em 1755. Mas em minha última existência
física Deus concedeu-me o privilégio de nascer como um caboclo
brasileiro.
Senhor José: Porque o irmão fala nesses termos, pretendendo que esta
mesa aceite a manifestação de espíritos que pelo grau de cultura que
tiveram quando encarnados, são claramente atrasados? E qual é o seu nome
irmão?
O espírito: Se, julgam atrasados esses espíritos dos pretos e dos
índios, devo dizer que amanhã estarei na casa deste aparelho (o médium
Zélio) para dar início a um culto em que esses pretos e esses índios
poderão dar a sua mensagem, e assim, cumprir a missão que o plano
espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes,
simbolizando a igualdade, que deve existir entre todos os irmãos
encarnados e desencarnados. E se querem saber o meu nome, que seja este:
“Caboclo das Sete Encruzilhadas”, porque não haverá caminhos fechados
para mim. Venho trazer a Umbanda, uma religião que harmonizará as
famílias e que há de perdurar até o final dos séculos.
Senhor José: Julga o irmão que alguém irá assistir ao seu culto?
O espírito: Cada colina de Niterói atuará como porta-voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei.
No desenrolar da conversa senhor José pergunta se já não existem religiões suficientes, fazendo inclusive menção ao espiritismo.
O espírito: Deus, em sua infinita bondade, estabeleceu na morte, o
grande nivelador universal, rico ou pobre poderoso ou humilde, todos
tornam-se iguais na morte, mas vocês homens preconceituosos, não
contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar estas
mesmas diferenças até mesmo além da barreira da morte. Por que não
podem nos visitar estes humildes trabalhadores do espaço, se apesar de
não haverem sido pessoas importantes na Terra, também trazem importantes
mensagens do além? Porque o não aos caboclos e pretos velhos? Acaso não
foram eles também filhos do mesmo Deus? Amanhã, na casa onde meu
aparelho mora, haverá uma mesa posta a toda e qualquer entidade que
queira ou precise se manifestar, independente daquilo que haja sido em
vida, todos serão ouvidos, nós aprenderemos com aqueles espíritos que
souberem mais e ensinaremos aqueles que souberem menos e a nenhum
viraremos as costas a nenhum diremos não, pois esta é a vontade do Pai.
Senhor José: E que nome darão a esta Igreja?
O espírito: Tenda Nossa Senhora da Piedade, pois da mesma forma que
Maria ampara nos braços o filho querido, também serão amparados os que
se socorrerem da Umbanda.”
Zélio de Morais contou que no dia seguinte, 16 de novembro, ocorreu o seguinte:
Minha família estava apavorada. Eu mesmo não sabia explicar o que se
passava comigo. Surpreendia-me haver dialogado com aqueles austeros
senhores de cabeça branca, em volta de uma mesa onde se praticava para
mim um trabalho desconhecido. Como poderia, aos dezessete anos,
organizar um culto?
No entanto eu mesmo falara, sem saber o que dizia e por que dizia.
Era uma sensação estranha: uma força superior que me impelia a fazer e a
dizer o que nem sequer passava pelo meu pensamento. E, no dia seguinte
em casa de minha família, na Rua Floriano Peixoto, 30, em Neves, ao se
aproximar a hora marcada, 20 horas, já se reuniam os membros da
Federação Espírita, seguramente para comprovar a veracidade dos fatos
que foram declarados na véspera, os parentes mais chegados, amigos,
vizinhos e, do lado de fora, grande número de desconhecidos.
Pontualmente às 20:00 horas o Caboclo das Sete Encruzilhadas incorporou e com as palavras abaixo iniciou seu culto:
"- Vim para fundar a Umbanda no Brasil, aqui inicia-se um novo culto
em que os espíritos de pretos velhos africanos e os índios nativos de
nossa terra, poderão trabalhar em benefício dos seus irmãos encarnados,
qualquer que seja a cor, raça, credo ou posição social. A prática da
caridade no sentido do amor fraterno, será a característica principal
deste culto."
O Caboclo estabeleceu as normas do culto: sessões, assim se chamariam
os períodos de trabalho espiritual, diárias das 20 às 22 horas, os
participantes estariam uniformizados de branco e o atendimento seria
gratuito.
O fato de se ter fundado a Umbanda numa sexta-feira fez com que até
hoje, tradicionalmente, a maioria dos terreiros trabalhem neste dia.
Ditadas as bases do culto, após responder, em latim e em alemão às
perguntas dos sacerdotes ali presentes, o Caboclo das Sete Encruzilhadas
passou à parte prática dos trabalhos, curando enfermos e fazendo andar
aleijados.
Após a “subida” do Caboclo, manifestou-se uma entidade conhecida como
“preto velho” que saindo da mesa se dirigiu a um canto da sala onde
permaneceu agachado.
Questionado sobre o porquê de não ficar na mesa respondeu:
“Nego num senta não meu sinhô, nego fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco e nego deve arespeita”.
Após insistência ainda completou:
"Num carece preocupa não, nego fica no toco que é lugar de nego".
E assim continuou dizendo outras coisas mostrando a simplicidade,
humildade e mansidão daquele que trazendo o estereótipo do preto velho,
se identificou como Pai Antônio e logo cativou a todos com seu jeito.
Ainda lhe perguntaram se ele não aceitava nenhum agrado, ao que respondeu:
"Minha cachimba, nego qué o pito que deixo no toco, manda moleque busca”.
Esta frase originou o ponto cantado com este texto. Todos ficaram
perplexos, estavam presenciando à solicitação do primeiro elemento
material de trabalho dentro da Umbanda.
Na semana seguinte todos trouxeram cachimbos que sobraram diante da
necessidade de apenas um para o Pai Antônio. Assim, o cachimbo foi
instituído na linha de pretos velhos. Pai Antônio também foi a primeira
entidade a pedir uma guia (colar) de trabalho.
O pai de Zélio freqüentemente era abordado por pessoas que queriam
saber como ele aceitava tudo isso que vinha acontecendo em sua
residência. Sua resposta era sempre a mesma, em tom de brincadeira
respondia que preferia um filho médium em lugar de um filho louco. Foi
um trabalho árduo e incessante para o esclarecimento, difusão e
sedimentação da Umbanda.
Dez anos após a fundação da Tenda Nossa Senhora da Piedade
(registrada como tenda Espírita, porque não ser aceito na época o
registro de uma entidade com especificação de Umbanda), o Caboclo das
Sete Encruzilhadas declarou que iniciava a segunda parte de sua missão: a
criação de sete templos, que seriam o núcleo do qual se propagaria a
religião da Umbanda.
Em 1935 , estavam fundados os sete templos idealizados pelo Caboclo
das Sete Encruzilhadas, sendo curiosa a fundação do sétimo, que
receberia o nome de Tenda São Jerônimo (a casa de Xangô).
Faltava um dirigente adequado a mesma, quando numa noite de quinta
feira, José Alvares Pessoa, espírita e estudioso de todos os ramos do
espiritualismo, não dando muito crédito ao que lhe relatavam sobre as
maravilhas ocorridas em Neves, resolveu verificar pessoalmente o que se
passava.
Logo que entrou na sala em que se reuniam os discípulos do Caboclo das Sete Encruzilhadas, este interrompeu a palestra e disse:
"Já podemos fundar a Tenda São Jerônimo e seu dirigente acaba de chegar."
O senhor Pessoa ficou muito surpreso, pois era desconhecido no
ambiente e não anunciara a sua visita. Viera apenas verificar a
veracidade do que lhe narravam. Após breve diálogo em que o Caboclo das
Sete Encruzilhadas demonstrou conhecer a fundo o visitante, José Alvares
Pessoa assumiu a responsabilidade de dirigir o último dos sete templos
que a entidade criava.
Dezenas de templos e tendas, porém, seriam criados posteriormente,
sob a orientação direta ou indireta do Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Em 1939, o Caboclo das Sete Encruzilhadas determinou a fundação de
uma Federação (posteriormente denominada de União Espírita de Umbanda do
Brasil, segundo relata Seleções de Umbanda n.º 7 1975) para congregar
templos Umbandistas e ser o núcleo central deste culto, no qual o
simples uniforme branco de algodão dos médiuns estabelece a igualdade de
classes e a simplicidade permitida pelo ritual.
Enquanto Zélio esteve encarnado foram fundadas mais de 10.000 tendas.
Após 55 anos de atividades este entregou a direção dos trabalhos da
Tenda Nossa Senhora da Piedade à suas filhas Zélia e Zilméia. Mais tarde
junto com sua esposa Maria Elizabete de Moraes, médium ativa da tenda e
aparelho do Caboclo Roxo fundou a cabana de Pai Antônio no distrito de
Boca do Mato, município de Cachoeiras do Macacu – RJ.
† Zélio Fernandino de Moraes desencarnou no dia 03 de Outubro de 1975. †
A cerimônia fúnebre de Zélio foi celebrada por Pai Ronaldo Linares a pedido de seus familiares.
Suas filhas deram continuidade ao trabalho e a “Tenda Nossa Senhora
da Piedade” existe até hoje sob a direção de Zilméia de Moraes.
Nesta
história temos o fato histórico da primeira manifestação da Umbanda, o
momento em que um Caboclo manifesta-se em uma vertente diferente das
conhecidas afro-brasileiras.
Pois é, Caboclos e Pretos Velhos já
se manifestavam nos terreiros de Catimbó, de Macumba Carioca e outros.
Ficou a cargo do Caboclo Sete Encruzilhadas a separação do joio e do
trigo. As manifestações espirituais começaram a se focar na Umbanda, o
que facilitou a criação de sua identidade.
Alguns estudiosos
defendem que a origem da Umbanda não seria no Brasil, e sim uma
ramificação de outros cultos africanos, outras linhas de estudos apontam
que ela se originou na Lemuria e Atlântida, vindo a se reapresentar no
Brasil na data citada.
Veja o que Pai Ronaldo Linares, Sacerdote
de Umbanda e presidente da Federação Umbandista do Grande ABC, comenta
numa entrevista concedida a TV Umbanda Sagrada, ressaltando que Pai
Ronaldo conviveu com Zélio, o qual o delegou a função de fazer ser
conhecida a história do nascimento da Umbanda.
“- Há um pouco de
desinformação, também houve um tempo em que se quis “branquear” a
Umbanda, levando a crer que ela se originaria do Hinduísmo, ou do Egito
Antigo, enfim… Porém eu fiz uma pesquisa séria aliada a outras e ao que
tudo indica não existia nenhuma tenda ou segmento religioso que usasse o
nome Umbanda antes de 1908. A Umbanda é um pouco negra, um pouco
indígena, um pouco branca, temperada com tudo o que faz parte do povo
brasileiro.
O vocábulo Umbanda é africano, e daí? Se 50% da população brasileira é negra e mistos?
Não creio na teoria da Umbanda quadrimilenar, pra mim, Umbanda é o
Preto Velho, o Caboclo e a Criança, como ensinou Papai Zélio…”
Pratique Umbanda pela Umbanda e isso basta.
Parabéns Pai Zélio que lá de Aruanda deve se emocionar com este belo exército branco de Oxalá que honra o seu trabalho.
Saravá Umbanda! |
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