TERRA NOSSA MORADA NO UNIVERSO
"Em algum canto afastado do universo
estendido no resplendor de inumeráveis sistemas solares, houve uma vez uma
estrela sobre o qual animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o
minuto de maior arrogância e o mais mentiroso da história universal: mas foi só
um minuto. Apenas alguns suspiros da natureza e a estrela se congelou, os
animais inteligentes tiveram que morrer. Nietzsche, “Introdução teorética sobre
a verdade e a mentira num sentido extranormal”1
[EcoDebate] Imagino a emoção de
Gagárin ao ver pela primeira vez, do espaço, nosso planeta como uma bola azul,
matizada com nuvens brancas sobre um fundo escuro, solta no espaço, sem nada
para segurá-la, presa apenas pelas forças invisíveis que mantêm todo universo em
harmonia, como a gravidade a centrífuga, e etc.
A
Terra é azul! Ele exclamou. E como ela, ele também em sua nave, estava solto e
a “vagar” pelo universo.
Poucos
de nós se atêm a alguns aspectos importantes quando falamos do planeta Terra e
sua real importância para nós como nossa morada no universo.
Imaginamos
a Terra como um lugar imenso que pode nos prover de todas as nossas
necessidades. Afinal, nosso planeta, em números redondos, possui
aproximadamente 4,5 bilhões de anos, mede cerca de 40.mil km de circunferência,
possui mais de 12 mil km de diâmetro no equador, pesa mais de 6 sextilhões de
toneladas, com uma área de mais de 510 milhões de quilômetros quadrados, sendo
150 milhões de quilômetros quadrados de terras emersas, equivalendo a 30% do total,
e os restantes, 360 milhões de quilômetros quadrados, equivalentes a 70% do
total, de mares e oceanos, com profundidades médias de aproximadamente 4 mil
metros, quase inexplorados, e isso tudo, viajando pelo espaço, em órbita do
sol, numa velocidade espantosa de quase 30 Km por segundo, ou seja, mais de 107 mil Km
por hora.
Além
da superfície, onde vivemos, existem espaços sob e sobre ela que nos propiciam
condições para explorar recursos necessários à nossa sobrevivência. Assim,
vemos que a estrutura da terra, além da mencionada superfície, chamada de
crosta, que vai a uma profundidade de até 40Km sob os oceanos a até 90 Km nos continentes, possui
ainda, além dela, um manto, com matéria pastosa com mais de 2.900 Km de espessura,
composta de silício, ferro, alumínio, magnésio, e um núcleo com matéria
incandescente formada por níquel e ferro. Como se não bastasse, sobre a crosta,
há uma camada de ar composta de diversos gases, a atmosfera, que vai até 1000 km de altura, formada
basicamente de nitrogênio, oxigênio, argônio e ainda inúmeros outros gases.
Vivendo
nessa estrutura fantástica, existem cerca de quase 9 milhões de espécies vivas,
e pasmem, há mais desse tanto a ser descoberta segundo algumas previsões, e
segundo outras, nossas espécies poderão chegar a 30 milhões.
Tudo
isso nos deu, pelos menos até há pouco tempo, uma ideia de que o nosso planeta
possui uma fonte inesgotável de suprimentos, que poderia nos abastecer
eternamente. Aliás, a maioria das pessoas ainda vêem a Terra como fonte
inesgotável e eterna, fruto de um pensamento gerado numa cultura que ainda não
desenvolveu uma mentalidade ambiental, no sentido de ver nossas limitações.
Sob
esse aspecto, nossa situação é preocupante, pois, grande parte da população
mundial, mesmo que inconsciente, ainda vê o nosso mundo como um lugar de
abundância infinita, e por isso, umadas principais preocupações quando se fala
em meio ambiente, é justamente sobre a inesgotabilidade do planeta, ou seja, a
ilusão de que é inesgotável e a realidade de que é esgotável, gerando nas
pessoas, o que se poderia chamar de “síndrome da inesgotabilidade do planeta”.
Dois
fatores ou crenças, de origem histórica, agravam esse fato que denominei de
“síndrome da inesgotabilidade do planeta”. O primeiro é o de que, através dos tempos,
o ser humano tem se mostrado altamente capaz em superar dificuldades, e sempre
que surge um grande problema, ele encontra uma solução. Cria máquinas, inventa
remédios, métodos de trabalho, supera pestes, doenças, catástrofes das mais
diversas, faz guerra devastadoras e atenua suas consequências; para isso,
inventou inúmeras ciências e especialidades, fazendo com que o homem por si e
entre si passasse a conviver, apesar das vicissitudes, com maior segurança. Ele
tende a superar tudo numa velocidade assustadora. E assim, essa crença que pode
resolver tudo invade o pensamento humano em todas as esferas; só que quanto ao
meio ambiente ele pode se decepcionar. O animal inteligente, esse mesmo que
inventou o conhecimento pode extinguir-se a si mesmo, pois, ele vive num
processo de suicídio coletivo, por inércia e confiança inconsciente em suas
potencialidades técnicas e científicas, acreditando que não importa o problema
que há de vir, ele, o ser humano o resolverá.
O
segundo é baseado na crença de que existe um lugar para a humanidade se
refugiar em caso de uma grande catástrofe. Também pudera, nossos antepassados
sempre procuraram novos mundos. Navegadores e desbravadores atingiram seus
quatro cantos, e por isso, a história inseriu em cada ser humano essa crença:
de que existe um novo mundo, nem que seja no interior da terra, no fundo do mar
ou no espaço sideral. De certo que existem lugares dos mais diversos; o
Universo é infinito, mas não é descartável.
As
consequências por acreditar que o planeta é inesgotável são gravíssimas,
principalmente por que incrementa o uso não sustentado do mesmo, e assim, vemos
que nós, os humanos, temos sido o seu maior destruidor. Salta aos olhos os
impactos negativos que a humanidade exerce sobre o planeta. Milhões de toneladas
de lixo são produzidas a cada ano. A poluição das águas, através dos rios,
lagos e mares são crescentes; a poluição do ar tem causado o efeito estufa, que
por sua vez, aumenta o aquecimento global e provoca o degelo nos polos. O
aumento da erosão vem causando desertificação em inúmeros lugares no planeta,
e, sem citar todo tipo de agressividade ambiental provocada pelo homem, podemos
incluir ainda, a poluição sonora, a poluição visual e a poluição
eletromagnética, e, em vista disso tudo, milhares de espécies são extintas todo
ano.
Não
é objetivo deste trabalho adentrar por demais nesse tema específico, mas,se
analisarmos, por exemplo, somente a questão da água, este texto poderá ser
classificado como escatológico.
Com
referência a água, e, com relação a ela, sabemos que apesar de ocupar 75% do
planeta, somente cerca de 0,6%, ou seja, menos de 1%, dela é doce. Não bastasse
sua escassez, somente 0,1% é potável. O restante, 97,3% é salgada e está nos
oceanos, os outros restantes 2%, congelada nos polos.
Só
estes dados sobre a água, a bem pensar, nos dá certa insegurança sobre o nosso
futuro. Há um aumento enorme na população que exige maior consumo da mesma em
todos os níveis; imaginem por exemplo, a quantidade de água usada na
agricultura, na indústria e no uso doméstico, etc.
Todavia,
observando as estatísticas também de outros elementos ambientais,sem qualquer
esforço verificamos que em vista do crescimento desordenado da população, que
reclama mais e mais do uso do planeta, as coisas tendem a se agravar.
Desde
há muito, o homem tem se preocupado com o aumento da população. No sec. XVIII,
por exemplo, o economista inglês, Robert T. Malthus, afirmou que a desproporção
da produção de alimentos, e o aumento da população, causaria a pobreza
crescente e a fome permanente. Malthus foi amplamente criticado, pois ignorou a
estrutura social e econômica e as possibilidades criadas pela tecnologia
agrícola.
No
entanto, a pobreza e a fome têm aumentado e muito em nosso planeta. Se Malthus
esqueceu-se do desenvolvimento tecnológico, seus críticos esqueceram-se do
egoísmo humano, dá má utilização da tecnologia, da corrupção e dos interesses
políticos, dentre outros, e por outros caminhos, parte de sua previsão está
acontecendo, o aumento da pobreza e da fome.
E
é nesse contexto que o animal inteligente, o homem encontra-se hoje. Apesar do
desenvolvimento tecnológico e científico, a corrupção e o modelo de educação
que usamos, nos faz aceitar a existência de povos vivendo na pobreza extrema,
que não têm água e nem o que comer. E as expectativas para o futuro, baseados
no estilo de vida atual, é que pode faltar água daqui a alguns anos para mais e
mais pessoas, atrás disso virá doenças, fome e outras desgraças. Tudo causado
pelo próprio homem. Parece inacreditável, a bola azul, matizada com nuvens
brancas, solta no espaço, que é o lar, a morada, a casa, do animal inteligente,
o homem, pode tornar-se, em breve, um lugar inóspito para a humanidade.
Na
verdade, o ser humano sabe que os problemas com o meio ambiente devem ser prevenidos
e não remediados, e a prevenção só é possível pela educação. Daí, o único
remédio para a “síndrome da inesgotabilidade” é o trabalho educativo, que
disciplinará o consumo, e provocará a sustentabilidade em sua existência em
todos os aspectos, promovendo uma verdadeira conscientização planetária. A
educação fará com que o homem viva desde o nascimento até a morte de maneira
sustentável; e esta será a palavra do século, a senha da vida e deve ser
despertada desde tenra idade, e em todas as instituições humanas.
Só
que nesse aspecto, o homem também sabe que a educação depende de vontade
política, de um verdadeiro compromisso, o que não tem acontecido, pois, o que
se vê em matéria educativa relacionada ao meio ambiente, são discursos
demagógicos com propagandas na mídia que são insuficientes para suprir todo
aparato educativo em assunto de tal natureza.
Procuram
fazer leis que não atendem as necessidades de proteção do planeta; assinam
tratados, convenções e outros documentos de cunho econômico onde o meio
ambiente é mencionado, e os nomeiam como documentos ambientais. Na verdade os
governos cumprem metas. Com tanto “barulho”, querem se justificar para a
posteridade…
A
título de ilustração, e apenas para fazer uma conexão com nossa condição de
existência no universo, e, numa hipótese de ter que desocupar o planeta, até
mesmo por pressão do crescimento demográfico, dentre outras, recorro a Isaac
Azimov, que nos informa em seu livro científico na área de astrobiologia, “Vida
Extraterrena2”
as dificuldades de uma possível viagem interestelar, pois, as mesmas demorariam
milhares de anos. Contudo, após análise de muitas possibilidades, ele sugeriu o
uso de uma nave imensa, uma colônia espacial, que utilizaria energia retirada
do hidrogênio e viajaria com toda sua estrutura, que incluiria o solo, a água,
ar, plantas, animais e pessoas, rumo ao desconhecido. Os colonos não estariam
deixando suas casas, mas levando elas consigo e constituiriam um mundo
independente.
Nesse
contexto, podemos facilmente imaginar que tudo estaria limitado e a convivência
naquela colônia deveria obedecer a regras rígidas, se não poderia haver um
caos. A viagem seria só de ida, todos os tripulantes teriam conhecimento que a
partir daquele momento, ali, aquela nave seria a sua morada, deveriam cuidar
dela de forma tão metódica, tão cuidadosa, porque senão o fim estaria próximo.
Em
essência, a única diferença entre a nave de Azimov e a Terra, seria sua rota. O
planeta Terra está viajando no espaço, obedecendo a uma trajetória que nenhum
de seus tripulantes pode alterar, mas, até então segura, pois, está de acordo
as leis universais e Inteligentes que regem o Todo.
Para
que melhor entendamos esse aspecto do nosso planeta como nosso lugar no
Universo, proponho que coloquemos nossa imaginação para funcionar e façamos um
pequeno exercício psíquico, onde será necessário evocar a imaginação, pois,
faremos uma viagem mental no espaço sideral3.
Ao ler as próximas linhas, pare a leitura em algum trecho que considerar
conveniente, feche os olhos e sinta o momento ali descrito.
Sente-se
em um local confortável. Imagine esse local onde você está sentado sendo
observado do alto, de dois metros de altura. Você verá a cadeira onde está
sentado, as coisas em sua volta. Suba mais, verá o teto da casa, e, à medida
que for subindo irá vendo cada vez mais coisas, seu bairro, sua cidade, os
contornos do continente no mar, o planeta terra como uma bola azul. Suba mais,
e verá cada vez mais essa bola ir diminuindo, até se mostrar como um grãozinho
solto num imenso fundo negro e desaparecer! É lá (aqui) que estamos agora,
neste exato momento, naquele (neste) grãozinho que sumiu no espaço, infinito e
escuro. Tente sentir isso. Essa é nossa condição atual, nossa condição nesse
exato instante.
Pense
bem nisso, estamos “vagando” por um mar sem fim, absorto na escuridão, a
milhares de quilômetros por hora, a mercê das leis que regem o universo. À
primeira vista, estamos sós, sozinhos soltos nesse espetacular e desconhecido
oceano sombrio, a despeito dos grandes conhecimentos que a humanidade conseguiu
e vem conseguindo sobre o universo.
Esta
é a grande questão! Para onde vamos quando nossos suprimentos acabarem? Nosso
mundo é como uma nave à deriva, não podemos guiá-la, aliás, o capitão que deu
sua rota inicial e a mantém nela, possui todos os conhecimentos cartográficos e
de navegação. Nossa preocupação é uma só, cuidar de seu meio para que possamos
navegar pelo universo e existir com dignidade.
Carlos
Leonardo Figueiredo Gomes é Ambientalista, advogado, sociólogo, especialista em
ciências penais.
1Citado
por: GUEDEZ, Annie. Foucault, Melhoramentos, Ed. Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1977.
3Usei
esse experimento em sala de aula, quando ia falar sobre consciência do meio ambiente.
Publicado originariamente no portal EcoDebate http://www.ecodebate.com.br/2012/07/12/terra-nossa-morada-no-universo-ensaio-de-carlos-leonardo-figueiredo-gomes/ e Revista Cidadania e Meio Ambiente http://www.ecodebate.com.br/2012/08/09/edicao-n-40-da-revista-cidadania-meio-ambiente-especial-pos-rio20-esta-disponivel-para-acesso-eou-download/ e reproduzido em dezenas de sites e blogs.
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